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“Eu não sobrevivo, eu supervivo”, diz analista de Curitiba que descobriu câncer raro

Diagnosticada com tumor no timo, Ana Flora viu a vida mudar ao descobrir que podia morrer a qualquer momento
Diagnosticada com tumor no timo, Ana Flora viu a vida mudar ao descobrir que podia morrer a qualquer momento

Marina Sequinel

25/07/22
às
10:44

- Atualizado há 2 anos

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“Eu não sobrevivi mais um dia, eu supervivi mais um dia”. Esse é o lema que guia a vida de Ana Flora Cazarim, moradora de Curitiba, desde que recebeu o temido diagnóstico de câncer em 2018. De lá para cá, tudo mudou. Os cabelos caíram, o corpo ficou debilitado, o medo da morte passou a ser constante. Problemas que antes pareciam sérios se tornaram bobos, sem sentido, e ela percebeu o que realmente importava. Era preciso aproveitar cada momento.

“Na época, eu tinha um afilhado que estava prestes a nascer. E eu lembro que eu só pedia: ‘meu Deus, eu só quero mais um dia, só mais um dia. Eu só quero vê-lo nascer, por favor, só me deixe vê-lo nascer”, conta Ana Flora em entrevista ao Portal Nosso Dia.

A analista de sistemas, de 34 anos, nunca tinha parado para pensar a fundo sobre a brevidade da vida antes de maio de 2018. Em uma madrugada de sábado, ela acordou com uma forte dor no peito, que não aliviava de jeito nenhum. “Parecia que alguém tinha me dado uma machadada. Eu me contorcia de dor”, conta.

Para não preocupar a mãe, com quem morava na época, ela pediu carona em um carro de aplicativo e foi sozinha para o hospital. Foi levada direto para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), já que os médicos pensavam que se tratava de um problema cardíaco.

Ana Flora antes do diagnóstico e durante o tratamento. (Foto: Arquivo pessoal)

A paciente fez uma bateria de exames e uma tomografia identificou um tumor de 9,6 centímetros no timo, uma glândula do sistema imunológico, localizado no tórax. A notícia não era nada boa: aquele corpo estranho era grande demais e já apertava o coração e os pulmões de Ana.

“Os médicos me disseram: ‘é um tumor, é câncer. Um possível tratamento é a quimioterapia. Você precisa procurar um especialista’. Aí o meu chão sumiu, né? Câncer e quimioterapia são palavras que nós ouvimos e não sabemos como reagir. Muitas vezes o diagnóstico é ‘você está com câncer, vai morrer’. Foi o que aconteceu comigo, ainda mais por ser em uma região tão sensível”, completa a analista de projetos, em entrevista ao Portal Nosso Dia.

Tratamento

A partir daí, a vida de Ana Flora parou. Ela começou a correria à procura de especialistas que pudessem diagnosticá-la com clareza e ajudá-la no tratamento. Foram dois meses de exames para que se batesse o martelo: o que ela tinha era o chamado timoma, câncer raro que atinge o timo.

Mesmo com o problema identificado, a situação estava longe de ficar mais fácil. “Quando descobriram, os médicos não sabiam o que fazer. Por exemplo, o câncer de mama é tão comum, infelizmente, que já existe todo um protocolo. Há um tratamento estabelecido. E esse não era o meu caso”.

Isso significava que a própria paciente teria que conhecer os riscos e definir a opção de tratamento que achava melhor. “O ruim de ser adulto é isso, né? Quando a gente é criança, os nossos pais decidem. Mas quando somos adultos, o médico fala na nossa cara. Basicamente, eu tinha que escolher se queria morrer na quimioterapia ou na cirurgia, porque o diagnóstico não era bom”, afirma.

Depois de analisar todas as possibilidades, Ana Flora optou pela quimioterapia. O objetivo do procedimento era diminuir o tamanho do tumor, para que fosse mais fácil removê-lo por cirurgia. Nessa primeira etapa, foram seis meses de tratamento, em que a analista precisou se afastar do trabalho para evitar qualquer tipo de complicação.

Foi nesse momento que as reflexões sobre a vida se intensificaram na mente dela. “Eu nunca tinha pensado na minha morte. Nunca imaginei que os planos que eu tinha para os próximos cinco ou dez anos poderiam não acontecer. Eu era jovem, bonita, levava uma vida saudável, tinha tudo pela frente. Por que comigo? Aí é o momento que você vê que a gente não tem nada na mão”, diz.

Na época do diagnóstico, Ana estava noiva e, mesmo com plano de saúde, precisou interromper o projeto de construir uma casa para arcar com alguns custos do tratamento. Além dessa mudança, ela notava, dia a dia, o corpo ficar mais fraco e dependente. “Eu fiquei muito debilitada. Até que chegou em um ponto que eu não aguentaria mais, que não faria sentido continuar adoecendo para que o tumor diminuísse poucos milímetros. Foi quando decidimos parar e fazer a cirurgia”, comenta.

O “ÚLTIMO” FIM DE ANO

As sessões de quimioterapia terminaram em dezembro de 2018 e a cirurgia só seria feita três meses depois, para que o corpo de Ana Flora tivesse tempo de se recuperar. A espera entre um procedimento e outro foi complicada. Ela considerou aquele período como o último Natal e Ano Novo que teria.

“Eu fiz uma viagem em família para Guarapuava e, como amo natureza, paramos em algumas cachoeiras. Eu lembro que queria muito tomar banho de cachoeira antes de morrer. Porque a possibilidade era de morrer. A gente foi para lá tentando manter um clima alegre, mas sabendo que aquilo podia ser um dos meus últimos desejos”.

No meio de um turbilhão de sentimentos, uma chave virou na cabeça da analista. “Por que esperar a possível morte de uma pessoa para todo mundo viajar junto e ir tomar banho de cachoeira? Por que eu preciso ter um motivo especial para fazer uma coisa que eu gosto? Na verdade, essa necessidade não existe, porque você pode morrer amanhã. Pode não ser um câncer, pode ser um acidente ou qualquer outra coisa”, reforça.

Cada dia “supervivido”, como afirma Ana Flora, passou a ser uma vitória. Em março de 2019, ela finalmente fez a cirurgia para retirar o tumor. Os médicos precisaram realizar uma esternotomia, procedimento em que a região do tórax é aberta a partir do osso esterno.

Mais uma vez, ela fechou os olhos sem saber se os abriria novamente. A sentença de morte, porém, se distanciou aos poucos com o sucesso da cirurgia. A paciente permaneceu um tempo na UTI e, finalmente, voltou para casa. O pós-operatório foi extremamente difícil, mas ela sempre demonstrou muita força e se recuperou bem.

Mesmo com o cisto removido, era importante eliminar todos os rastros possíveis. Por isso, após a cirurgia, ela passou por 27 sessões de radioterapia – tratamento com radiação que ajuda a destruir ou impedir o crescimento de tumores.

“Terminando a radioterapia, esperamos mais um pouco e refizemos os exames. Finalmente as atividades do câncer estavam encerradas. Aí é o momento que você fala: ‘eu vou voltar a viver’. Porque, durante o tratamento, você só vai em médico e não consegue pensar em outra coisa. Só depois que eu parei para viver e olhar a vida”.

OUTROS RESSIGNIFICADOS

Desde o diagnóstico, Ana começou a notar diferenças em si e nos outros. Internamente, ela precisou ressignificar, por exemplo, o “ser mulher”. Sempre vaidosa, com cabelo e maquiagem impecáveis, ela viu tudo mudar ao ficar careca por causa da quimioterapia.

Além dos olhares nas ruas, muitas vezes até desrespeitosos, ela teve que encarar uma nova forma de se expressar e de ser quem ela era. “Meu cabelo era uma entidade, alguém à parte. Eu tinha um monte de cremes para fazer hidratação, tinha horário reservado no sábado só para cuidar dele. Querendo ou não, mesmo hoje, o cabelo é uma marca forte da ‘feminilidade’. Claro que o corte curto é tão feminino quanto. Mesmo assim, foi bastante difícil”, confessa.

Sempre que encontra uma mulher careca, seja pelo câncer ou não, Ana não deixa de admirar a coragem. “Parece algo tão simples, mas a gente tem que abraçar e aplaudir. O tamanho da força que é preciso ter para pisar na rua careca ou com lenço é muito grande. Porque todo mundo vai olhar e muitos vão julgar”, completa.

Já em relação aos outros, uma coisa ficou nítida: algumas pessoas que antes a analista considerava importantes se afastaram no momento mais difícil da vida dela.

“Você faz uma peneira. Tem até um poema que diz ‘quem é que vai ficar com você quando você não tem utilidade nenhuma?’. Porque, durante um ano, eu não tive utilidade nenhuma. Pelo contrário, eu precisei de ajuda para tudo. Então, às vezes eu não era uma companhia tão legal quanto antes, não era a bonitona que saía para a balada. Quanto tempo a gente perde com pessoas que não valem a pena?”, questiona.

Ela esclarece, porém, que entendia quando alguém não sabia como reagir, mas fazia questão de manter contato e saber como ela estava. “Você dá valor para isso. Para quem está ao seu lado quando você não serve para nada”.

REINCIDÊNCIA

Ana Flora compartilhou toda a experiência de vida nas redes sociais, para ajudar outras pessoas que passaram por situações semelhantes. Fez amizades e participou até de campanhas de conscientização junto a grupos voltados ao câncer de mama. Foram quase quatro anos longe do sofrimento físico que a acompanhou na época do tratamento.

Como a vida não é um filme, infelizmente, a luta não acabou aqui. Desde o fim da radioterapia em 2019, a analista faz exames com frequência para monitorar um eventual reaparecimento do tumor. Em abril deste ano, a notícia não foi boa: dois novos cistos, um de dois e outro de três centímetros, foram identificados na mesma região do tumor anterior.

Ela passou por duas cirurgias para que eles fossem removidos e analisados pelos médicos. As biópsias revelaram que o câncer havia voltado. “Nas primeiras semanas, eu fiquei com muita raiva, triste, mal, não quis falar com ninguém. Eu não acreditava. Eu questionava se ia ter forças para passar por tudo de novo, porque eu não sabia como ia ser”, relata.

Ana Flora, então, descobriu que dessa vez apenas a radioterapia será suficiente para tratar o câncer. E é nessa etapa que ela está no momento – com um caminhão de novas percepções e significados para a vida. Ela agora mora com o noivo e, apesar de tudo, continua a “superviver”, dia após dia.

“Eu sei que isso é um lembrete. Que significado você está dando para a sua vida? Porque daqui a seis meses um exame pode te dizer que você tem pouco tempo. Corre aí. Aproveita mesmo, faz o que você gosta, porque a gente não sabe o que vai acontecer”, finaliza.

Você pode acompanhar as publicações de Ana Flora Cazarim no Facebook e no Instagram.

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