- Atualizado há 12 horas
O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira, 2, o julgamento do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado após a eleição presidencial de 2022, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Serão julgados sob a acusação de cinco crimes o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus, entre ex-autoridades civis e oficiais de alta patente das Forças Armadas.
A proximidade da análise da ação penal pela Primeira Turma da Corte e a recente decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro precipitaram a disputa pelo Planalto no ano que vem, projetando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como potencial adversário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Fato este que expôs uma briga na direita bolsonarista com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Lula, por sua vez, apontou Tarcísio como seu oponente em 2026 durante reunião ministerial.
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Entre os atores econômicos, teme-se que a condenação de Bolsonaro estimule o governo de Donald Trump a aplicar novas sanções contra o Brasil. O presidente americano usou a ação penal como argumento para impor um tarifaço de 50% aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, além de medidas de retaliação a Alexandre de Moraes e outros ministros da Corte
O presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, marcou cinco datas para o julgamento, distribuídas em duas semanas. A análise pode ser suspensa por pedido de vista, o que adiaria o desfecho para dezembro. Também podem ser convocadas novas sessões, se não houver tempo hábil para a conclusão. As sessões vão ocorrer nesta e na próxima semana.
Além de Bolsonaro, também são réus os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem e o tenente-coronel Mauro Cid.
À exceção de Ramagem, todos respondem por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do estado de direito, golpe de Estado, dano qualificado com uso de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. As penas, somadas, podem ultrapassar 40 anos de prisão.
‘Simbólico’
O julgamento foi destaque no jornal The Washington Post, um dos principais dos Estados Unidos. Segundo o jornal americano, a análise das acusações contra o ex-presidente, auxiliares próximos e militares de alta patente marca uma inflexão na história política do Brasil. É a primeira vez que uma tentativa de rompimento da ordem institucional vai a julgamento.
“Durante décadas, estudei mais de uma dúzia de golpes e tentativas de golpe, e todos eles resultaram em impunidade ou anistia”, disse ao Washington Post o historiador Carlos Fico, um dos principais pesquisadores sobre a questão militar do País. “Desta vez será diferente.”
Na mesma linha, a historiadora Lilia Schwarcz afirmou ao jornal americano que o julgamento de Bolsonaro e aliados é “simbólico” por romper um “pacto de silêncio” em relação aos militares. Mesmo após a redemocratização, os crimes que envolvem o período da ditadura nunca foram julgados, em razão da Lei de Anistia, aprovada em 1979.
Bolsonaro foi apontado pela PGR como o líder de uma organização criminosa “baseada em projeto autoritário de poder” e “com forte influência de setores militares”. De acordo com a acusação formal, o objetivo do ex-presidente era “não deixar o poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas”.
A defesa de Bolsonaro argumentou que não há provas diretas que o liguem ao plano Punhal Verde e Amarelo – que, conforme a denúncia, previa o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes, relator da ação penal. Os advogados do ex-presidente também não veem elo de Bolsonaro com o 8 de Janeiro. Afirmam que a transição entre os governos foi harmoniosa e que o então presidente agiu para impedir o caos social ao apelar aos caminhoneiros para que desbloqueassem as rodovias após a eleição de Lula. A defesa contesta ainda a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O julgamento terá início em meio a críticas sobre a atuação da Corte e à condução do processo por Moraes. As controvérsias envolvem a extensão dos poderes do Supremo e o protagonismo assumido por Moraes em casos que se referem a ataques à democracia. O ministro virou alvo do governo dos Estados Unidos e foi atingido pela Lei Magnitsky – dispositivo da legislação americana que permite que os EUA imponham sanções econômicas a acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. Ele, porém, tem sido respaldado em suas decisões pela maioria dos integrantes da Primeira Turma.
2026
O julgamento iminente e as medidas restritivas contra Bolsonaro – determinadas por Moraes – expuseram uma disputa pelo espólio do ex-presidente. Tarcísio avançou casas para se apresentar como a alternativa na direita. O movimento incomodou Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA para influenciar autoridades daquele país a aplicar sanções contra o Brasil com o objetivo de beneficiar o pai.
Em entrevista ao Diário do Grande ABC, publicada na última sexta-feira, 29, o governador de São Paulo disse que sua primeira medida, caso se torne presidente da República, será conceder um indulto a Bolsonaro se ele for condenado. “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado”, afirmou ele.
O governador mudou o plano inicial e decidiu ir a Brasília hoje, onde deve ter reuniões no Congresso. Pela manhã desta segunda, 1º, ele se encontrou com o presidente do Republicanos, Marcos Pereira. O Estadão apurou que eles conversaram durante a reunião com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) “Café da manhã com o nosso governador Tarcísio de Freitas. No cardápio do dia: anistia”, escreveu Marcos Pereira nas redes sociais.
Aliados do ex-presidente tentam há meses convencer Motta a pautar a votação de um projeto de anistia, mas até o momento não obtiveram sucesso. No médio prazo, outra possibilidade é que o próximo presidente eleito conceda indulto a Bolsonaro em 2027. Para isso, um aliado de Bolsonaro teria de vencer a próxima eleição presidencial e arcar com o custo político da decisão. Além de Tarcísio, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União-Brasil), já disseram que indultariam o aliado.
‘Perfil’
Ontem, porém, Eduardo voltou à carga e afirmou que Tarcísio não é o candidato esperado pelos bolsonaristas. Para o filho do ex-presidente, “o perfil” do governador, “realmente, não é de combate” a esse “establishment”.
“(Ele) tem pessoas, no seu primeiro escalão e secretarias, que são ligadas ao PSOL e ao PT”, afirmou em entrevista ao canal Claudio Dantas, no YouTube. “É um bom gestor? É um bom gestor. Mas faz política de uma maneira diferente e eu acho que a nossa base espera outra coisa quando vota em nós.”
Apesar dos gestos dos pretendentes, Bolsonaro ainda não indicou o seu herdeiro nas urnas porque não quer perder força política justamente no momento em que enfrenta o julgamento no STF. Por outro lado, partidos do Centrão querem que a indicação seja feita ainda neste ano para ter mais tempo de construir uma candidatura de oposição e também decidir sobre o desembarque do governo Lula.
Nos dois casos, tanto indulto quanto anistia, a decisão poderia ser contestada no STF, que teria de julgar se a ação do Congresso ou do presidente seria ou não inconstitucional.