
- Atualizado há 3 anos
O deputado estadual Ricardo Arruda (PL) registrou uma denúncia contra Renato Freitas (PT) pelo crime de ameaça, na tarde desta quarta-feira (29), no 3.° Distrito Policial de Curitiba. A defesa do parlamentar bolsonarista afirmou ainda que pedirá a instauração de um processo disciplinar por quebra de decoro contra o petista na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Freitas se defende das acusações e alega ser vítima de “racismo”.
No boletim de ocorrência registrado por Arruda, ao qual o Portal Nosso Dia teve acesso, ele afirma que o deputado estadual Renato Freitas lhe ameaçou durante sessões plenárias de segunda (27) e terça-feira (28) na Casa. Além disso, cita algumas frases que teriam sido ditas por Freitas.
“Deputado Ricardo Arruda, se desviar do caminho, propaga a mentira, o resultado é a morte”, citou o deputado do PL no boletim de ocorrência, sobre a sessão de segunda-feira (27). No dia seguinte, diz ele, Freitas “reiterou ameaças” com a seguinte frase: “Deputado Ricardo Arruda, arrependa-se, há tempo, enquanto há vida.”
No documento, o parlamentar bolsonarista também diz que teme por sua integridade física e de sua família, além de destacar que “tem recebido notícias de que o noticiado [Renato Freitas] possui envolvimento com facções criminosas”.
Durante a sessão plenária de segunda-feira (27) na Alep, Renato Freitas subiu à tribuna e iniciou seu discurso citando uma denúncia do Ministério Público do Paraná (MPPR) contra Ricardo Arruda, que é acusado de associação criminosa, tráfico de influência e peculato (desvio de dinheiro público).
“Esse senhor, devoto da mentira, hipócrita, que não se esquece de tirar a trave de seus olhos para, então, poder tirar o cisco do olho do irmão ao lado. Esse senhor que vive com o dedo apontado para que [em] nenhum momento as pessoas apontem para ele. Esse senhor que se acorrentou propositalmente nas bolhas de redes sociais […]. O senhor está sendo acusado, a partir de sua influência enquanto político, empresário, pastor, missionário, ou seja lá qual figura você é, de readmitir policiais militares excluídos da corporação”, citou o petista.

Em seguida, ao criticar o envolvimento das forças de segurança em assassinatos no Estado e a suposta recolocação de policiais militares afastados pela corporação após investigações, com suposto auxílio de Arruda, Freitas afirma: “Quando o deputado Ricardo Arruda se desvia do caminho, propaga mentira, o resultado é a morte. Quando esses policiais, e isso ficou claro pelas palavras dos próprios policiais, foram extorquidos em valores entre R$ 50 mil e R$ 70 mil para voltarem para sua corporação, a partir do chefe de gabinete do senhor Ricardo Arruda, […] a morte volta a assolar a população mais pobre, mais fragilizada e vulnerável”.
Freitas também destacou o caso do adolescente Caio José Ferreira de Souza Lemes, de 17 anos, que foi morto baleado durante uma suposta abordagem da Guarda Municipal (GM) no sábado (25), na Cidade Industrial de Curitiba. Segundo boletim de ocorrência registrado na delegacia, os agentes afirmaram terem se sentido ameaçados após Caio tirar uma faca de 25 cm de um boné e, por isso, efetuaram os disparos.
“Ele foi executado covardemente pela Guarda Municipal. Disseram à imprensa que o rapaz tinha 30 anos de idade e estava rondando a região e observando as casas com olhar maldoso, fato que justificou, segundo eles, uma abordagem violenta em que os golpes foram desferidos. E quando esse rapaz tentou fugir daquela violência injustamente praticada contra ele, ilegalmente, criminosamente, ele recebeu dois tiros, um deles, [deputado] Dr. Antenor, se estuda que entrou na nuca e saiu no queixo. Ao senhor, como médico, que ângulo será que estava esse rapaz para receber um tiro na nuca que sai pelo queixo? Que ameaça ele oferecia para a integridade dos policiais e para sociedade curitibana?”, questiona o deputado Renato Freitas ao destacar as competências da Guarda Municipal.
No dia seguinte às afirmações e questionamentos de Renato Freitas, o deputado Ricardo Arruda iniciou sua fala destacando “não entrar em debate na vida pessoal de nenhum parlamentar” e disse defender “bandeiras conservadoras, como todo mundo já sabe”.
“Porém, ontem [segunda-feira, 27], o deputado Renato Freitas, como ele quis defender o indefensável, o PT, e seu desgoverno […]. Na verdade, eu nem deveria perder meu tempo falando ao senhor, que, com menos de 40 anos de idade, já tem uma extensa folha corrida nas delegacias do Estado do Paraná. Eu, com 60 anos, não tenho nenhuma passagem pela polícia. O senhor, com uma fala mansa de poeta, fiquei pensando: ‘Por que ele fala assim? Deve ser devido ao cigarro que o senhor anda fumando. Cuidado, isso faz mal e pode levar à morte. Hipocrisia quem tem é o senhor que só defende bandido e sempre agride as instituições democráticas do nosso Estado do Paraná. Sempre ataca a Polícia Militar”, iniciou o deputado bolsonarista.

Ao trazer à tribuna novamente o caso do estudante Caio José Ferreira de Souza Lemes e afirmar ter “visto” que ele estava armado e ameaçando os policiais e moradores, Freitas pediu intervenção na fala do colega, mas não foi autorizada pelo presidente da Ademar Traiano (PSD). Em seguida, Ricardo Arruda citou que o petista teria 16 boletins de ocorrência contra si e o “desafiou” a fazer um exame toxicológico para apresentar o resultado na Alep. Devido às declarações, Traiano interviu e afirmou que poderia levar o caso ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
“Deputado Ricardo Arruda, quero fazer um apelo a vossa excelência. Nós não estamos aqui na Câmara Municipal de ataque para deputado e deputada. Peço que discutam as questões pessoais fora da assembleia. Isso denigre (rebaixa) nossa imagem. Se continuar desta forma, vou pedir para que o Conselho de Ética entre em ação e procure, enfim, agir em relação ao comportamento de ambos. Não é permitido esse tipo de agressão a deputados”, protestou o presidente da Casa.
Minutos depois, Ricardo Arruda citou trechos de frases citadas pelo deputado do PT na sessão de segunda-feira (27) e alegou ter se sentido ameaçado.
“Quando o senhor falou em morte usando meu nome, isso foi uma ameaça? Dizendo meu nome em morte. Então, vamos apurar com quem o senhor Renato Freitas está envolvido para dizer algo tão grave como ele disse naquela tribuna, dizendo mais uma vez: ‘Desviou do caminho, é morte’. Eu não sei qual é o sentido vindo do senhor”, concluiu Arruda.
Freitas, então, usou a tribuna para se defender da acusação do deputado do PL: “Quando eu falei, deputado Arruda, que Deus é o caminho, a verdade, a vida, e disse que aquele que se desvia desse caminho, encontrando a mentira em sua frente e se relaciona com a mentira, produz a morte. Não estou te ameaçando, homem. Tente usar o dom do entendimento. Estou dizendo que você produz a morte do próximo. Quando você chega naquela tribuna para me atacar de forma rasteira e leviana, afirma que o jovem Caio José estava armado, que atentava contra a segurança e integridade física dos guardas municipais […] você menospreza nossa inteligência. Mas, sobretudo, você produz, reforça e justifica a morte. Deputado Ricardo Arruda, ainda há tempo. Arrependa-se. Encontre no caminho da vida e da verdade a possibilidade de se resgatar. Eu acredito no resgate do gênero humano, inclusive de pessoas como o senhor, altamente comprometidos com a mentira. Cego pela ambição, escravo de sua própria vaidade.”
Em nota enviada ao Portal Nosso Dia, após o registro do boletim de ocorrência, o deputado Ricardo Arruda citou supostas ameaças sofridas por ele nas sessões de segunda e terça-feira.
“Freitas afirmou na tribuna, respectivamente, que: ‘Deputado Ricardo Arruda se desvia do caminho, propaga a mentira, o resultado é a morte’; ‘Deputado Ricardo Arruda, arrependa-se. Há tempo, enquanto há vida’. Pugnaremos perante a corregedoria da Assembleia Legislativa a instauração de processo disciplinar por quebra de decoro nas dependências da casa legislativa”, diz trecho do documento.
Já Renato Freitas afirmou que se surpreendeu ao receber a notícia de que o deputado bolsonarista havia registrado um boletim de ocorrência contra si. Em nota, ele nega que tenha ameaçado o colega e destaca ter chamado a atenção para o processo ao qual Ricardo Arruda responde. Além disso, cita o caso do adolescente Caio José Ferreira de Souza Lemes, alega que o deputado do PL “cortou falas completas” suas e o acusou, sem provas, de ser envolvido com facções criminosas.
Freitas também diz que é vítima de racismo ao ser estigmatizado por Arruda e afirma que o deputado, ao registrar o boletim de ocorrência por ameaça, pode responder por crime contra a administração pública, denunciação caluniosa, injúria, difamação e calúnia.
Leia a nota na íntegra abaixo:
“Na tarde de hoje, 29/03, fomos surpreendidos com a notícia de que o deputado Ricardo Arruda (PL) registrou um Boletim de Ocorrência (B.O.) contra Renato Freitas. No B.O., Arruda alega que, nas sessões plenárias da ALEP, dos dias 27/03 e 28/03, Freitas supostamente teria cometido o crime de ameaça, tipificado no art. 147, do Código Penal, por ter proferido as frases: “Quando, a exemplo do deputado Ricardo Arruda, se desvia do caminho, propaga a mentira, o resultado é a morte” e ” Deputado Arruda, arrependa-se. Há tempo enquanto há vida.”
Em relação à suposta ameaça, destaca-se que, na sessão do dia 27/03, Freitas chamou a atenção para o processo criminal que o próprio Ricardo Arruda responde, como incurso nos crimes de associação criminosa (art. 288, CP); peculato (art. 312, CP) e tráfico de influência (art. 332, CP), destacando que, dentre os diversos delitos de tráfico de influência denunciados pelo Ministério Público do Paraná, consta a interferência ilegal e imoral do deputado, que agiu com vistas a garantir a restituição à PM/PR de policiais expulsos da coorporação por terem cometido o crime de homicídio.
Na sessão do dia seguinte, 28/03, Ricardo Arruda acusou o adolescente Caio, menor de idade e sem passagens pela polícia, assassinado pela Guarda Municipal de Curitiba no último dia 25, de ter ameaçado os oficiais com uma faca, versão que é contestada pela família.
Em resposta, Renato relembrou o processo criminal de Arruda e associou a propagação de fake news a um tipo de política que produz a morte de inocentes. Parafraseando versículos bíblicos, Freitas disse ainda que acreditava no arrependimento do parlamentar como uma forma de se redimir.
Não à toa, Ricardo Arruda, conhecido pela disseminação de fake news, cortou as falas completas de Freitas, que podem ser conferidas no canal da TV Assembleia no Youtube, nas quais chama a atenção para a necessidade de apuração das mortes promovidas pelas forças policiais do Estado, sobretudo no caso recente de Caio José.
Como se não bastasse, Arruda imputou, sem apresentar qualquer indício, que Freitas possui envolvimento com facções criminosas. Acusação gravíssima pela qual o parlamentar bolsonarista será responsabilizado.
Destaca-se que é lamentável que o referido deputado se utilize de má-fé para descontextualizar os fatos, atentando contra o interesse público ao desperdiçar recursos, que deveriam ser destinados para averiguar crimes reais, com picuinhas políticas.
Ressalta-se ainda, que é possível vislumbrar na atitude do parlamentar uma das facetas do racismo, que, em nossa sociedade, tende a atribuir a pessoas negras o estigma de perigosas, mesmo quando ocupam espaços de poder.
Por fim, o próprio deputado Arruda, ao registrar o boletim de ocorrência com fatos que tem conhecimento de serem inverídicos, pode estar cometendo crime contra a administração pública (art. 339, CP); denunciação caluniosa (art. 339, do CP); injúria (art.140, CP); difamação (art. 139, CP); e calúnia (art. 138, CP).
Na verdade, sabemos que a acusação de Arruda só acontece porque o preconceito e a discriminação racial permitem que esse tipo de calúnia caia como uma luva no contexto de nossa sociedade racista. É o que o Brasil faz desde sempre, mas os tempos são outros.”