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Uma atividade educacional envolvendo religião de matriz africana realizada na Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Antônio Bento, em Caxingui, zona oeste de São Paulo, gerou a revolta do pai de uma aluna de 4 anos de idade. No dia seguinte à reclamação do pai, policiais militares foram até a unidade educacional. Conforme relatos ouvidos pela reportagem, os agentes intimidaram a diretora da escola, que foi acusada de praticar cultos religiosos, e pediu afastamento do trabalho.
No último dia 11, ao tomar conhecimento da tarefa, que consistia em desenhar o orixá Iansã a partir da leitura do livro Ciranda de Aruanda, o pai da aluna teria entrado na escola no final da tarde, no horário de saída das crianças, para tirar satisfação com a professora e com as gestoras da unidade por conta da atividade. Sem dar uma justificativa clara, o homem, que também é um militar da ativa, teria dito que era contrário a este tipo de tarefa e que não permitia que a filha fosse submetida ao ensino religioso africano, sendo incisivo na queixa.
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A obra usada para a realização do trabalho faz parte do acervo da Prefeitura, é adquirida pela administração municipal e está à disposição das unidades educacionais da cidade, explicou ao Estadão Raquel Macedo Urias, diretora regional de educação do Butantã. Raquel esteve presente na Emei nesta terça-feira, 18, em conversas com a assistente de direção e com a coordenação da unidade.
De acordo com ela, as responsáveis pela escola teriam explicado ao pai que a atividade tinha caráter pedagógico, e que o trabalho consistia em promover uma educação antirracista às crianças. A diretora e a professora teriam chegado a convidá-lo para formalizar uma reclamação no livro de ocorrências e até para participar da reunião de conselho de escolas, agendada para o dia seguinte. O homem, no entanto, não teria demonstrado interesse.
No quarta-feira, 12, uma nova confusão foi registrada. Também no horário de saída e próximo do horário da reunião de conselho, quatro policiais militares entraram na unidade e voltaram a questionar as responsáveis sobre a atividade. Segundo relatos, pelo menos um dos militares portava uma metralhadora.
No início, os PMs informaram que estavam fazendo uma ronda escolar pelas proximidades da Emei, mas depois eles teriam dito que estavam averiguando uma queixa de ensino religioso no local. Ao Estadão, Raquel afirma que os agentes foram truculentos e intimidaram a diretora da Emei e uma funcionária da secretaria, as acusando de fazer “culto religioso na escola”.
Assim como foi feito com o pai, as profissionais teriam explicado aos agentes que a atividade era parte integrante do plano pedagógico escolar, incluindo o combate a intolerância religiosa. “Mas eles não estavam interessados em saber”, afirmou a diretora regional.
O pai que foi à escola no dia anterior não entrou com os policias, mas teria sido visto no meio de outros agentes do lado de fora da escola durante a abordagem. “Até onde sabemos, não houve o registro de uma queixa. É algo importante de se averiguar. Se (a abordagem) foi uma camaradagem da polícia, de mandar os amigos para a escola”, diz Raquel.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que a Polícia Militar instaurou um procedimento para investigar os agentes que atuaram na ocorrência, que pertencem à 2° Companhia do 16° Batalhão da PM. Isso inclui a análise das imagens das câmeras corporais e a coleta de depoimentos.
“A Corregedoria da PM permanece à disposição para receber denúncias ou informações que possam contribuir com as investigações internas”, informou a SSP-SP, em nota. A pasta informou que uma profissional da Emei registrou boletim de ocorrência por ameaça envolvendo o pai da estudante, um policial militar da ativa, e que o homem também registrou um B.O. negando a acusação de ter “danificado um painel da escola ao retirar um desenho feito por sua filha”.
“Diante dos registros, o 34º Distrito Policial (Vila Sônia) convidará a servidora para verificar seu interesse em formalizar representação criminal e colher seu depoimento sobre os fatos. Caso haja representação, será instaurado inquérito policial, e todos os envolvidos e testemunhas serão ouvidos para completo esclarecimento e eventual responsabilização no âmbito criminal”, acrescentou a pasta.
Já a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo informa que o pai da estudante recebeu esclarecimento que o trabalho apresentado pela filha “integra uma produção coletiva do grupo”, que a atividade faz parte de “propostas pedagógicas da escola, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena dentro do Currículo da Cidade de São Paulo”.
O professor Claudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Simpeem), também criticou o caso e diz que a atividade tem respaldo na Lei 10.639/2003, que “exige o ensino da história e da cultura afro-brasileira”. “O relato de um policial militar entrando em uma escola após a reclamação de um pai, sobre um desenho de matriz africana, é um dos atos mais graves e violentos – por que não dizer covardes – de racismo e intimidação já vistos na nossa rede de ensino”, disse Fonseca.
Afastamentos e protesto
Segundo Raquel Urias, diretora regional do Butantã, tanto a diretora da escola como a professora titular estão afastadas em decorrência do episódio. “Todos os profissionais estão sensíveis em relação ao ocorrido”.
A comunidade escolar agendou um ato de protesto na próxima terça-feira, 25, com concentração em frente à unidade. A proposta é fazer uma caminhada pelo bairro para demonstrar indignação pela forma como os profissionais de ensino foram tratados e cobrar uma investigação por parte das autoridades . “Por que eles (policias) chegaram lá (na escola). Por que chegaram daquela forma?”, questiona Raquel.