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Paulo Coelho publicou um longo relato sobre a prisão e a tortura que sofreu durante ditadura militar (1964-1985) no Brasil. O escritor utilizou seu perfil no X (antigo Twitter) para relembrar os fatos neste domingo, 21. Ele já havia relatado a situação da mesma forma em um artigo publicado no The Washington Post em 2019.
O caso ocorreu em 1974, época em que o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) ainda estava em vigor. Um grupo de homens armados teria entrado em seu apartamento. Ele destaca não saber do que se tratava, já que era “apenas um compositor de rock” na ocasião.
“Um deles, o mais gentil, pediu que eu os acompanhasse ‘apenas para esclarecer algumas coisas’. O vizinho viu tudo e avisou a minha família, que imediatamente ficou em pânico. Todos sabiam o que o Brasil vivia àquela época, ainda que não houvesse cobertura nos jornais”, descreve Paulo Coelho.
Ele foi levado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi registrado e fotografado. Após algumas perguntas simples, teria sido liberado. O mesmo homem gentil de antes lhe ofereceu um café e lhe acomodou em um taxi, que iria para a casa de seus pais.
“No caminho, o taxi foi bloqueado por dois carros – um homem com arma na mão sai de um deles e me puxa para fora. Eu caio no chão e sinto o cano da arma na minha nuca. Olho para o hotel à minha frente e penso: ‘Não posso morrer tão cedo’. Caí em uma espécie de estado catatônico. Não sentia medo, não sentia nada”.
Paulo Coelho relata que, à época, sabia de histórias de outros desaparecimentos. Encapuzado para não enxergar para onde ia, permaneceu no carro por meia hora e chegou a aceitar o destino de que seria executado.
O escritor ainda destaca o que lhe diziam: “Você está lutando contra o seu País. Você vai ter uma morte lenta, mas você vai sofrer muito primeiro”.
Com o “instinto de sobrevivência” crescendo aos poucos, “Pedi a eles que não me empurrassem, mas fui socado pelas costas e caí. Me disseram para tirar minha roupa. O interrogatório começou com perguntas que eu não sabia como responder.”
“Me pediram para trair pessoas de quem eu nunca tinha ouvido falar. Disseram que, se eu não cooperasse, jogariam água no chão Por baixo do capuz, vi que havia uma máquina com eletrodos que estavam ligados aos meus genitais”, descreveu Paulo Coelho.
Em desespero, apelou aos torturadores, em vão: “Eu digo a eles que não precisam fazer isso. Eu confesso o que eles quiserem que eu confesse, eu assino o que é que eles quiserem que eu assinasse. No dia seguinte, mais uma sessão de tortura, com as mesmas perguntas.”
“Eles me deixaram. Depois de não sei quanto tempo e não sei quantas sessões (o tempo no inferno não é contado em horas), houve uma batida na porta e ordenaram que eu pusesse meu capuz de volta”, continuou.
Paulo Coelho, então, foi levado a uma sala pequena, completamente escura, com ar-condicionado forte e uma sirene incessante. “Comecei a ficar louco. Tive visões de cavalos.”
“Eu batia na porta da ‘geladeira’ (descobri depois que era a forma como chamavam o local), mas ninguém abria. Desmaiei. Eu acordava e desmaiava, de novo e de novo. Em certo ponto, pensei: é melhor apanhar do que continuar aqui”, conta.
“Não sou mais interrogado. Estou em confinamento na solitária. Um dia, alguém joga minhas roupas no chão e diz para eu me vestir. Me visto e coloco o capuz. Sou levado a um carro e jogado no porta-malas. Dirigem pelo que parece uma eternidade, e paramos. Vou morrer agora?”, prossegue.
Paulo Coelho, então, relembra a forma como os momentos de terror terminaram: “Me dizem para tirar o capuz e sair do carro. Estou em uma praça pública repleta de crianças, em algum lugar do Rio de Janeiro, mas não sei onde”.
O escritor foi à residência dos pais, que recomendaram que evitasse sair de casa. Buscou contato com amigos, mas ninguém o atendia, fazendo com que se sentisse sozinho. “Se eu fui preso, devo ter feito alguma coisa, eles devem estar pensando. É muito arriscado ser visto com um ex-prisioneiro. Eu posso ter deixado a prisão, mas a prisão permanece comigo”.
Paulo Coelho ainda destacou a ajuda de Roberto Menescal e Hildegard Angel, que lhe ofereceram um trabalho nos momentos difíceis.
Por fim, relembrou o momento em que diversos arquivos da ditadura foram tornados públicos. O escritor relata uma conversa que teve com Fernando Morais, seu biógrafo: “Eu pergunto por que fui preso. ‘Um informante te acusou’, ele diz. ‘Você quer saber quem foi?’. Não. Não vai mudar o passado.”