- Atualizado há 2 anos
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Aos seis anos de idade, ela já sentia o gosto amargo da vida. Embora não soubesse o significado da palavra “violência” e tampouco entendesse muitas coisas que estavam acontecendo, Agatha Barreto Connisky viveu e sobreviveu. Atualmente, aos 33 anos, o sorriso é o principal escudo e arma da agora Miss Paraná Curvy 2023.
“Ele passou as mãos pelas minhas pernas e tocou minhas partes. Ele disse que me amava. Eu tinha seis anos”, escreveu Agatha, em janeiro do ano passado, após decidir compartilhar suas experiências na internet. Cicatrizes e vários outros tipos de marcas impregnaram na pele e alma da pequena Agatha, que foi vítima de violência sexual até os 14 anos de idade. Foram oito anos de confusão mental, exaustão, incompreensão e solidão.
“Me calaram antes. Agora, já não me calam mais”, prossegue a analista comercial. Em relato ao Portal Nosso Dia, Agatha não se eximiu de sorrir e deixar transparecer a força que carrega desde a dura infância que vivenciou. A voz dela e os ouvidos daqueles que pararam para escutá-la por poucos minutos a salvaram e a transformaram na mulher que é hoje.
No entanto, nem sempre foi assim, diz ela. “Aos 14 anos, me abri e contei para minha família o que estava acontecendo. Não fui ouvida. Descobri que outros familiares haviam passado por isso e, mesmo assim, estávamos lá em todas as férias”, afirmou ela.
Para abraçar e ajudar de alguma forma aqueles que passaram por experiências parecidas, a Miss Paraná Curvy agora se dedica a compartilhar relatos em uma rede social. Os comentários nas postagens feitas por ela representam abraços não recebidos antes, mensagens de carinho e palavras encorajadoras. O perfil no Instagram “Movimento Vozes” nasceu com esse intuito: dar voz às pessoas.
“Machuca falar sobre isso, mas estou bem resolvida nesse sentido hoje. É por isso que eu quero falar sobre isso com as pessoas. Muitas crianças a adolescentes passam por isso e se sentem culpadas. Eu não carrego mais essa culpa”, afirmou a analista ao Portal Nosso Dia.
Somente em 2019, dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos, 86,8 mil foram relacionadas a violações de direitos de crianças ou adolescentes. A violência sexual representou 11% das denúncias, ou seja, 17 mil ocorrências. Nos primeiros cinco meses de 2022, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), vinculada ao Governo Federal, registrou 7.447 denúncias de estupro. Das vítimas, 5.881 são crianças ou adolescentes, quase 79% do total.
Estudos apontam que mulheres vítimas de violência são mais suscetíveis a desenvolver transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Em um dos trabalhos, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Kentucky, em 2010, há o destaque para as vítimas de violência sexual. De acordo com o estudo, muitas vítimas desse tipo de crime apresentam sintomas como medo, retraimento social e agitação.
“O quadro é grave, pois, além da impunidade, muitas das vítimas de estupro ficam desatendidas em termos de saúde, já que, como os autores ressaltam, a violência sexual contra as mulheres frequentemente está associada a depressão, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares, sexuais e de humor, alteração na qualidade de sono, além de ser um fator de risco para comportamento suicida”, diz o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que estimou a ocorrência de 822 mil estupros por ano no Brasil, o equivalente a dois por minuto.
O estudo se baseou em dados da Pesquisa Nacional da Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNS/IBGE), e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, tendo 2019 como ano de referência.
“Além das minhas histórias, tenho relatos de vários amigos que me procuraram e compartilharam suas experiências. A partir da exposição desses casos, pessoas que vivenciaram essas situações se sentem acolhidas e entendem que não estão sozinhas”, disse Agatha antes de destacar que sua missão é “curar as pessoas”.
Enzo, o filho dela, de seis anos, não entende o que aconteceu há poucos anos, mas salvou a própria mãe durante um quadro de depressão profunda. “O Enzo me fez não cometer suicídio”, diz ela, com sorriso no rosto. Segundo ela, bilhetes com frases de despedidas eram escritas com certa frequência e espalhadas pela casa.
“Colava em lugares para alguém achar quando eu morresse. Eu lembro de estar em uma crise muito forte de choro quando ele [Enzo], aos 3 anos, me abraçou e disse: ‘Mãe, não chora, eu te amo’. Eu olhei para ele e falei: ‘Não! Eu vou superar tudo isso e vou ficar aqui porque preciso te proteger”.
Violência física, sexual, psicológica, manipulação, bullying e quaisquer outros tipos de atos que a calaram durante anos já não fazem mais parte da vida dela. Agatha é mãe, analista comercial, pós-graduanda, atriz, escoteira, escritora e modelo. Ela é vencedora do concurso Miss Paraná Curvy 2023, que contempla mulheres com manequins entre 42 e 46, além das categorias plus size e lady.
Uma palavra que define Agatha? A reposta é “resiliência”.