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Depois de duas sessões de debate na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), os vereadores da capital do Paraná aprovaram, por 29 a 5 votos, nesta segunda-feira (7), uma moção de repúdio à resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). De autoria dos vereadores Eder Borges (PL), Carlise Kwiatkowski (PL), Fernando Klinger (PL) e Guilherme Kilter (Novo), os parlamentares entendem que a resolução “infringe os direitos dos pais e responsáveis, comprometendo a autonomia familiar”.
A resolução 258/2024 do Conanda estabelece um protocolo específico em caso de gravidez de criança e adolescente resultante de violência sexual, prevendo a oferta à vítima, dentre outras opções, da interrupção legal da gestação, que é garantida pela legislação no caso de estupro. Os vereadores autores da moção de protesto entendem que o Conanda desobriga a análise clínica para a autorização do aborto legal, o que extrapolaria suas funções e estaria em conflito com outras leis nacionais e projetos em discussão no Congresso Nacional.
Na última quarta-feira (2), quando o tema estreou em plenário, coincidindo com a fala de Marina de Pol Poniwas na Tribuna Livre sobre a resolução 258/2024 do Conanda, e hoje (7), na conclusão da votação, as galerias do Palácio Rio Branco estavam tomadas, majoritariamente, por manifestantes pró-vida, com cartazes contra o aborto no Brasil. Durante a sessão, as palavras de ordem “Aborto, não! Vida, sim!” eram contrapostas por um grupo menor, de defesa dos direitos reprodutivos, que bradava “Criança não é mãe, estuprador não é pai”. Em vários momentos da discussão, o presidente da CMC, Tico Kuzma (PSD), pediu silêncio às galerias e atenção à preservação do Palácio Rio Branco, prédio histórico que abriga as sessões plenárias da Câmara de Curitiba.
Nas duas sessões, 13 dos 38 vereadores da Câmara de Curitiba pediram a palavra para se declararem contra o aborto no Brasil. Responsável pelo protocolo da moção, Eder Borges agradeceu aos manifestantes pró-vida pela “grande mobilização”, “com cartazes e carro de som” e “Casa cheia para defendermos a vida!”. “A população brasileira não aceita o culto à morte e a apologia ao aborto, nem que se vá corrigir uma desgraça [gravidez indesejada resultante de estupro] com uma desgraça ainda maior [aborto do bebê]”, disse Borges.
“Matar um bebê é homicídio”, concordou Carlise Kwiatkowski, que rebateu críticas de Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) por se posicionar contra o aborto ilegal, estando à frente da Procuradoria da Mulher da CMC. “O órgão é pluripartidário e ela [Giorgia], quando foi procuradora, não deixou de expressar suas pautas. A vereadora Vanda [de Assis, do PT], que é procuradora adjunta, expressa suas pautas. A procuradora não pode, mas a adjunta pode? Esse debate é parcial e a cultura da morte não pode progredir nesta Casa”, afirmou Kwiatkowski, queixando-se da esquerda da Câmara de Curitiba. Fernando Klinger apresentou a mesma crítica em plenário.
Para Guilherme Kilter, além das “incongruências” citadas pela bancada pró-vida na Câmara de Curitiba, a resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) tem outras cinco que justificam a moção de protesto. Ele citou a imposição de educação sexual às crianças, a referência ao aborto como “direito humano” e aos pais como “obstáculo indevido” no atendimento das crianças vítimas de estupro, a permissão tácita para aborto até o nono mês de gravidez e a vedação, aos profissionais da Saúde, de apelarem para o direito de objeção de consciência no caso da opção pelo aborto. “Moção de repúdio é o que a gente consegue fazer aqui na Câmara”, alegou.
“Temos que nos posicionar [sobre o tema], para dizer que a gente é contra o estuprador, que é preciso ter medidas duras contra pais e mães coniventes [com o estupro de crianças e adolescentes], mas que existem opções [ao aborto], que existe [dar o bebê para] adoção”, resumiu Indiara Barbosa (Novo), dando o tom do que foi o debate o Legislativo. Bruno Secco (PMB) afirmou que “Curitiba é cristã e contra o aborto” e a Delegada Tathiana Guzella (União) disse que lutar contra o estupro não pode fazer do aborto a única opção às vítimas, “porque temos que ter coerência com a vida humana, que é uma benção, e não pode ser banalizada”.
“O PT diz que a gente [da direita] está tumultuando a sessão, mas traz militante para tumultuar a sessão”, acusou João Bettega (União), referindo-se ao episódio, na quarta-feira passada, quando, ao dirigir-se aos manifestantes, foi chamado de “estuprador” por um mulher, contra a qual o vereador diz estar tomando providências para processá-la por calúnia. “Não posso deixar passar batido que me acuse. Eu nunca imputei um crime a vereador do PT. Não pode relativizar o ataque aos vereadores de direita, senão qualquer um vai ser xingado de estuprador e de ser contra as mulheres”, protestou.
As manifestações mais carregadas vieram dos vereadores Bettega, para quem “tem que cortar o pau fora” de estuprador, e da vereadora Sargento Tânia Guerreiro (Pode), que defendeu “descer o cacete” em estuprador, que disse que as manifestantes pró-direitos reprodutivos deveriam procurar um lote pra carpir. “Quem defende o aborto deveria ter sido abortado”, disse a parlamentar. Para Sidnei Toaldo (PRD) há uma inversão de valores na sociedade, com pessoas mais preocupadas com o direito dos animais do que com o direito à vida. “A vida humana é sagrada desde a concepção, porque é dada pela graça divina. O aborto é uma afronta ao criador e à ordem natural concebida por ele”, acrescentou.
“[Pessoas de esquerda] são ‘tigrão’ para defender a morte de uma criança no ventre da mãe, mas na hora [de aumentar a punição aos estupradores] são ‘tchutchuca’”, comentou Da Costa (União). “Ninguém da direita é a favor de estuprador”, afirmou Olimpio Araujo Junior (PL), “mas a partir do ato [da fecundação], temos uma vida sendo gerada, e ela precisa ser respeitada; a pessoa [mulher vítima de estupro] deve ser acolhida e tratada com dignidade, em segurança, mas não significa que o resultado final seja o assassinato [aborto]”. Ao afirmar que “o aborto é uma crueldade maior que o estupro”, o vereador voltou a defender a doação do bebê como uma opção à interrupção da gravidez.
“Não se trata do aborto. A resolução 258/2024 dispõe sobre o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que foram 13 mil adolescentes em 2023, que foram mães. A preocupação do Conanda foi criar um fluxo para o atendimento, porque a criança atendida precisa ser bem atendida. Não dá para tratar isso com fake news e desinformação”, criticou Vanda de Assis (PT). Angelo Vanhoni (PT) falou da dificuldade de fazer esse debate, que mistura religião, ciência e direitos das mulheres, quando as premissas não permitem diálogo.
“Na Tribuna Livre, [Marina Poniwas] foi tratada de forma desrespeitosa, tinha pessoas a chamando de ‘assassina’, usando palavras agressivas contra uma pessoa que está defendendo a dignidade das crianças. Toda gravidez abaixo de 14 anos é um abuso, é o que diz o Código Penal”, censurou a Professora Angela (PSOL). “A resolução do Conanda é sobre dar opções [no caso de gravidez decorrente de estupro]. Ninguém aborta por querer, e o aborto não é um método anticoncepcional”, apontou a vereadora. Giorgia Prates disse não entender a “histeria” no debate da moção, já que “desde 1940 o aborto legal está dentro do código penal, nos casos do risco de vida à mãe, estupro e crianças anencéfalas”. Ela acusou a direita de querer provocar o “pânico moral”, apoiada em “desonestidade intelectual”.